sexta-feira, 29 de abril de 2011

Nota fiscal, crédito ou débito: o diálogo do nosso tempo

 

As pessoas não estão mais conversando. O ritmo de vida de cada um está organizado de tal maneira que o tempo para uma boa conversa está se tornando raro. Se já está difícil conversar com os próximos imagine criar novos laços de amizade e de afeto. Somos tomados a cada instante por mecanismos alheios à nossa vontade, tornando as relações humanas mais distantes, frias e calculistas.
Embora Kant, filósofo alemão, tenha alertado que devemos agir considerando o outro como um sujeito, tratamos ou somos tratados como coisas, isto é, um instrumento que pode ser usado apenas para satisfação de nossos desejos. Coisas são objetos, e por isso podem ser instrumentalmente tratadas.
No entanto, o ser humano, por ser capaz de oferecer e possuir dignidade, não é uma coisa, mas uma pessoa. Isto quer dizer que a ele não se pode atribuir um preço, transformando-o numa mercadoria a ser consumida, explorada, ou em algo indiferente a qualquer valor moral. Felicidade, verdade e justiça são bens que devem ser levados em conta na construção de uma humanidade sadia, mesmo que alguns considerem isso como uma mera abstração.
De fato, é preciso reconhecer que as exigências do nosso cotidiano são desafiadoras e por que não dizer dramáticas. A luta diária nos tira muitas vezes do rumo e surgem momentos de violência e de práticas que mais demonstram a nossa selvageria e desumanidade.
Falta de tempo. Esse parece ser um dos dísticos dos dias que correm. Tudo que se passa, passa demasiadamente de pressa, cada vez mais depressa. Acompanhar a velocidade dos acontecimentos nos tira a possibilidade de saborear as coisas, seja ela o que for. Somos estimulados a um querer-fazer tudo, a um querer-ver tudo, a um querer-comprar tudo, mas na soma geral e ao final do dia o que sobra é o nada, seja lá o que signifique isso.
Seres agitados, transformamos as nossas vidas em algo fugaz e efêmero, não deixando qualquer vestígio significativo, que podemos contar para os nossos filhos e netos. Consumidor voraz e insaciável de notícias (se forem trágicas, melhor ainda) e de novidades, nós homens nos tornamos seres eternamente insatisfeitos. A vida de cada um de nós entra num redemoinho sem sentido. Já não experimentamos o silêncio, a capacidade de ouvir e de meditar. Já não exercitamos a memória, pois a cada instante tudo deve ser substituído.
E se não ouvimos é porque não estamos mais conversando. E como não guardamos nada, não temos o que conversar. O diálogo é interrompido. E o que sobrou? Para tanto, é só observar como nos portamos numa relação de compra e venda. Sinto que o que se passa aí é o exemplo do que acontece aqui e acolá. Entregamos o cartão e a(o) vendedor(a) pergunta:
- Nota fiscal paulista?
- Sim.
- CPF!
- @&8.)%+.#$¨-§}
-Débito ou Crédito?
-Crédito.
Poucos ainda não viveram isso. Mas esse isso é tudo. Ou nada? A refletir.

Espaço Acadêmico

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